sexta-feira, 10 de maio de 2013

A cadeira de balanço


Nunca vou me esquecer daquela senhora em sua cadeira de balanço. Todos os dias eu parava em frente a sua casa para esperar o ônibus e lá estava ela, senhora mesmo, com seus quase noventa anos (eu sabia pela sua mão bem enrugada), sempre na sua cadeira de balanço que de tanto balançar já rangia no ritmo do movimento lento.

Eu nunca soube o nome dela, mas me era tão familiar como um parente distante.  Na varanda da sua casa velha observava o movimento das ruas, seus olhos não deixavam escapar nenhum detalhe, ela quase não piscava e eu nunca a vi cochilar. Parecia sozinha, olhava as coisas do mundo de uma forma compreensiva, eu admirava a sua provável sabedoria.

Usava um vestido estampado, tinha cabelos brancos presos por um coque e usava óculos para reparar a vista cansada. Eu sei que ela me via também, eu sorria para ela, mas ela se fazia sempre indiferente e seguia a olhar o seu mundo, os casais da praça em frente, os jardins, os pombos comendo no chão, os elegantes homens de terno, as menininhas correndo, as mães vigiando.

Perguntava-me sempre o que passava pela lembrança daquela senhora em sua ritmada cadeira de balanço. Será que um antigo amor ainda lhe doía a alma? Será que tinha filhos e eles lhe eram devotos? Será que ela sabia como era caótico o mundo? Logo ali na sua porta? O mundo todo, todo ao alcance dos seus olhos.

E ela ainda cantarolava uns versos que eu nunca ouvi em outro lugar, mas que decorei: “Que tristeza em seu olhar, que viver em seu penar, não chore não, pode esperar, eu vou pra ai, eu vou voltar...” Era apenas isso que eu conseguia ouvir, e a cadeira de balanço rangia no ritmo da música lenta e da voz rouca que cantava.

Eu a via todos os dias na hora de ir para o trabalho, era cedo e ela já estava sentada em sua cadeira de balanço, e olhava e cantava. Eu amava tanto aquela senhora, nem eu mesma sabia por que, nem seu nome eu sabia, nem sua família eu conhecia e nem nada de sua vida.

Eu nunca me atrasava para ir ao trabalho, tinha medo de chegar depois e não encontrá-la. Eu nunca a vi de outra forma, nem a cadeira mudava de lugar, parecia ser um ritual seguido por ela há anos.  Aquele olhar distante e sozinho, parecia tão perdida e ao mesmo tempo tão centrada.
Aquele dia, então, amanheceu cinza, mas lá estava ela, balançando e cantando. Quando me viu (e eu sei que ela me via), ela disse o mais alto que pode: “É... Hoje vai chover, vai chover...” De súbito perguntei se falava comigo, mesmo sabendo que era a única naquele ponto de ônibus, mas ela continuou cantando e nada me respondeu. “Que tristeza em seu olhar, que viver em seu penar, não chore não, pode esperar, eu vou pra ai, eu vou voltar...”
Entrei no ônibus e ainda a caminho, o céu desabou. Uma terrível tempestade, forte e grossa. Choveu, e o dia virou noite, o dia inteiro. 

Fiquei o final de semana e dois dias sem trabalhar devido ao resfriado adquirido com a tempestade, que também se encarregou de destruir a cidade. Na quarta feira quando sai para trabalhar, fui decidida em conversar com aquela senhora de mãos envelhecidas e cadeira de balanço ritmada, mesmo que ela não se importasse. No lugar da senhora havia um vazio, a cadeira agora balançava sozinha, na varanda folhas secas e na porta escrito numa placa: “vende-se”. Permaneci ali por algum tempo, o coração esfriou e as mãos suaram, e fiquei olhando o seu ponto de vista e cantarolando aqueles versos que eu ouvia todos os dias. O cheiro de chá ainda permanecia e agora apenas e somente a lembrança. 

Este conto/crônica foi escrito em 2004... Há quase 10 anos... Como mudei minha maneira de escrever... rs

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"Já que se há de escrever, que pelo menos não se esmaguem com palavras as entrelinhas." CL