Nunca vou me esquecer daquela
senhora em sua cadeira de balanço. Todos os dias eu parava em frente a sua casa
para esperar o ônibus e lá estava ela, senhora mesmo, com seus quase noventa
anos (eu sabia pela sua mão bem enrugada), sempre na sua cadeira de balanço que
de tanto balançar já rangia no ritmo do movimento lento.
Eu nunca soube o nome dela, mas
me era tão familiar como um parente distante. Na varanda da sua casa velha observava o
movimento das ruas, seus olhos não deixavam escapar nenhum detalhe, ela quase
não piscava e eu nunca a vi cochilar. Parecia sozinha, olhava as coisas do
mundo de uma forma compreensiva, eu admirava a sua provável sabedoria.
Usava um vestido estampado, tinha
cabelos brancos presos por um coque e usava óculos para reparar a vista
cansada. Eu sei que ela me via também, eu sorria para ela, mas ela se fazia
sempre indiferente e seguia a olhar o seu mundo, os casais da praça em frente,
os jardins, os pombos comendo no chão, os elegantes homens de terno, as
menininhas correndo, as mães vigiando.
Perguntava-me sempre o que
passava pela lembrança daquela senhora em sua ritmada cadeira de balanço. Será
que um antigo amor ainda lhe doía a alma? Será que tinha filhos e eles lhe eram
devotos? Será que ela sabia como era caótico o mundo? Logo ali na sua porta? O
mundo todo, todo ao alcance dos seus olhos.
E ela ainda cantarolava uns
versos que eu nunca ouvi em outro lugar, mas que decorei: “Que tristeza em seu
olhar, que viver em seu penar, não chore não, pode esperar, eu vou pra ai, eu
vou voltar...” Era apenas isso que eu conseguia ouvir, e a cadeira de balanço
rangia no ritmo da música lenta e da voz rouca que cantava.
Eu a via todos os dias na hora de
ir para o trabalho, era cedo e ela já estava sentada em sua cadeira de balanço,
e olhava e cantava. Eu amava tanto aquela senhora, nem eu mesma sabia por que,
nem seu nome eu sabia, nem sua família eu conhecia e nem nada de sua vida.
Eu nunca me atrasava para ir ao
trabalho, tinha medo de chegar depois e não encontrá-la. Eu nunca a vi de outra
forma, nem a cadeira mudava de lugar, parecia ser um ritual seguido por ela há
anos. Aquele olhar distante e sozinho,
parecia tão perdida e ao mesmo tempo tão centrada.
Aquele dia, então, amanheceu
cinza, mas lá estava ela, balançando e cantando. Quando me viu (e eu sei que
ela me via), ela disse o mais alto que pode: “É... Hoje vai chover, vai
chover...” De súbito perguntei se falava comigo, mesmo sabendo que era a única
naquele ponto de ônibus, mas ela continuou cantando e nada me respondeu. “Que
tristeza em seu olhar, que viver em seu penar, não chore não, pode esperar, eu
vou pra ai, eu vou voltar...”
Entrei no ônibus e ainda a
caminho, o céu desabou. Uma terrível tempestade, forte e grossa. Choveu, e o
dia virou noite, o dia inteiro.
Fiquei o final de semana e dois
dias sem trabalhar devido ao resfriado adquirido com a tempestade, que também
se encarregou de destruir a cidade. Na quarta feira quando sai para trabalhar, fui
decidida em conversar com aquela senhora de mãos envelhecidas e cadeira de
balanço ritmada, mesmo que ela não se importasse. No lugar da senhora havia um
vazio, a cadeira agora balançava sozinha, na varanda folhas secas e na porta
escrito numa placa: “vende-se”. Permaneci ali por algum tempo, o coração
esfriou e as mãos suaram, e fiquei olhando o seu ponto de vista e cantarolando
aqueles versos que eu ouvia todos os dias. O cheiro de chá ainda permanecia e
agora apenas e somente a lembrança.
Este conto/crônica foi escrito em 2004... Há quase 10 anos... Como mudei minha maneira de escrever... rs
Este conto/crônica foi escrito em 2004... Há quase 10 anos... Como mudei minha maneira de escrever... rs
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"Já que se há de escrever, que pelo menos não se esmaguem com palavras as entrelinhas." CL