Trajava uma roupa toda preta com
acessórios que realçavam a maquiagem carregada. Acenou para um táxi, estava
cansada demais para ir embora de outra forma. Ao entrar indicou o caminho e
ansiava o momento de chegar em casa, era aquele momento que tudo o que se
pretende é água quente e sossego.
Com sua doce simpatia pediu ao
taxista para acender um cigarro. Notando a sua angústia ele não negou, ainda
tentou render algum assunto, mas claramente dispersa ela negou-se a conversar.
O carro em alta velocidade pela avenida acompanhava a velocidade dos seus
pensamentos. As luzes dos postes pareciam borrões que iluminavam pouquíssimo o
seu rosto escondido pela penumbra do carro.
Lembrou do dia que conheceu o
homem de pele macia, olhar doce e risada cativante, do primeiro beijo que dele
ganhou. Arrepiou. O olhar que a fez despertar para o amor, para o primeiro
amor, apesar de não estar motivada a amar. Quem sabe poderia ser diferente?
Abraçou-lhe, sentiu frio bom na barriga. Algum tempo depois amou e há muito não
sentia prazer daquela maneira. Naquele momento sentiu a sua alma ser levada
para um lugar que só sabe quem já fez amor alguma vez na vida.
Agora se lembrava de alguns
minutos atrás. O mesmo olhar que lhe convidou a amar, dizia que agora já não
podia mais ser. Contorceu-se de dor. Engoliu seco o choro, levantou-se calmamente,
sorriu - apesar da desgraça - e com os olhos úmidos não disse uma só palavra.
Retirou da mão direita o anel dourado e delicadamente o pôs sobre a mesa.
Retirou-se. Não sobraram palavras, não havia o que ser dito, era assim que
tinha que ser.
Nem perceberá quando o carro
parou e enfim escutou: “chegamos”. Retirou de sua bolsa de mão a quantia exata,
pagou, despediu-se, agradeceu e saiu do carro buscando alguma resposta que lhe
confortasse o coração. Sua cabeça estava estourando de dor e ao entrar pela
porta da sala, desmontou-se no sofá. Retirou as botas pesadas e sentiu o chão
frio regular os seus pés quentes. Olhou para o teto e uma lágrima desceu para
limpar a sua maquiagem e sujar as suas maçãs rosadas. Ficou ali um tempo
pequeno, logo se levantou, tirou toda a sua roupa. Abriu o chuveiro e quis a
temperatura mais quente, foi aos poucos colocando cada parte do seu corpo em
baixo da água quentíssima. Em pouco tempo o banheiro esfumaçou. Acariciava
lentamente o seu corpo com o sabonete, sentia a água do chuveiro se misturar
com a água que rolava dos seus olhos. Enrolou-se na toalha, sentou na beirada
da cama e não conseguia parar de pensar. Daquela maneira adormeceu, lembrando
que já havia morrido e matado muitas vezes por amor.