terça-feira, 28 de maio de 2013

Achada


Não... Eu não espero que tudo dê certo (sempre), um pouco até pelo contrário, gosto de me agarrar a poucas possibilidades. Revirando alguns papeis encontrei aquela carta que eu ia te enviar e não enviei. Nem me lembro porque, nem me lembro se tinha intenção de enviar. Às vezes escrevo assim, só pra ver como ia ficar. De qualquer forma a carta já bem marcada pelas dobras, falava de coisas que já nem me lembrava, e até acho bom, sinal que o tempo é mesmo tudo aquilo que falam. Aquela amizade que era tão bonita e que depois se tornou isso que é hoje, não merecia mesmo aquela carta, não merecia as letras garrafais que dizia: “amizade eterna” e “te amo de verdade”. A vida passa e o cheiro do passado arde às narinas, dia sim, dia não. O bom da vida é esse erro constante em que nos metemos, ou o acerto constante que não promove nada. Eu realmente não espero, ou espero por tanto tempo que já nem considero que seja uma real espera.

A carta que eu li, não representava de fato o passado, eu contive as palavras para não parecer dada ao sentimentalismo. Mas agora ela já não faz sentido, porque nem aquelas palavras contidas se aproximam da minha falta de sentimento atual. Hoje já não sinto nada e nem me faz falta. Depois de recordar bem e a lembrança retornar viva, pensei e tive certeza que nada daquilo que vivi era vida que devia ser vivida. Não era vida. A gente sente falta por querer sentir falta, mas se for analisar a realidade, não tem falta nenhuma. Pensando assim fica mais fácil viver. Tenho tentado descomplicar a vida, mas quando paro de rever os erros do passado, começo a temer pelos erros do futuro e nem seu bem se vivo ou se espero viver essa vida que é minha, só minha e que não há ninguém que se dê ao trabalho de entender. Quanto à carta eu rasguei e rasgarei também esses escritos que de nada servem. Nada que escrevo serve. Não serve para você, não serve para mim, até mesmo para escrever eu minto e minto tanto que não há verdade nenhuma em nada que se lê.

sexta-feira, 10 de maio de 2013

A cadeira de balanço


Nunca vou me esquecer daquela senhora em sua cadeira de balanço. Todos os dias eu parava em frente a sua casa para esperar o ônibus e lá estava ela, senhora mesmo, com seus quase noventa anos (eu sabia pela sua mão bem enrugada), sempre na sua cadeira de balanço que de tanto balançar já rangia no ritmo do movimento lento.

Eu nunca soube o nome dela, mas me era tão familiar como um parente distante.  Na varanda da sua casa velha observava o movimento das ruas, seus olhos não deixavam escapar nenhum detalhe, ela quase não piscava e eu nunca a vi cochilar. Parecia sozinha, olhava as coisas do mundo de uma forma compreensiva, eu admirava a sua provável sabedoria.

Usava um vestido estampado, tinha cabelos brancos presos por um coque e usava óculos para reparar a vista cansada. Eu sei que ela me via também, eu sorria para ela, mas ela se fazia sempre indiferente e seguia a olhar o seu mundo, os casais da praça em frente, os jardins, os pombos comendo no chão, os elegantes homens de terno, as menininhas correndo, as mães vigiando.

Perguntava-me sempre o que passava pela lembrança daquela senhora em sua ritmada cadeira de balanço. Será que um antigo amor ainda lhe doía a alma? Será que tinha filhos e eles lhe eram devotos? Será que ela sabia como era caótico o mundo? Logo ali na sua porta? O mundo todo, todo ao alcance dos seus olhos.

E ela ainda cantarolava uns versos que eu nunca ouvi em outro lugar, mas que decorei: “Que tristeza em seu olhar, que viver em seu penar, não chore não, pode esperar, eu vou pra ai, eu vou voltar...” Era apenas isso que eu conseguia ouvir, e a cadeira de balanço rangia no ritmo da música lenta e da voz rouca que cantava.

Eu a via todos os dias na hora de ir para o trabalho, era cedo e ela já estava sentada em sua cadeira de balanço, e olhava e cantava. Eu amava tanto aquela senhora, nem eu mesma sabia por que, nem seu nome eu sabia, nem sua família eu conhecia e nem nada de sua vida.

Eu nunca me atrasava para ir ao trabalho, tinha medo de chegar depois e não encontrá-la. Eu nunca a vi de outra forma, nem a cadeira mudava de lugar, parecia ser um ritual seguido por ela há anos.  Aquele olhar distante e sozinho, parecia tão perdida e ao mesmo tempo tão centrada.
Aquele dia, então, amanheceu cinza, mas lá estava ela, balançando e cantando. Quando me viu (e eu sei que ela me via), ela disse o mais alto que pode: “É... Hoje vai chover, vai chover...” De súbito perguntei se falava comigo, mesmo sabendo que era a única naquele ponto de ônibus, mas ela continuou cantando e nada me respondeu. “Que tristeza em seu olhar, que viver em seu penar, não chore não, pode esperar, eu vou pra ai, eu vou voltar...”
Entrei no ônibus e ainda a caminho, o céu desabou. Uma terrível tempestade, forte e grossa. Choveu, e o dia virou noite, o dia inteiro. 

Fiquei o final de semana e dois dias sem trabalhar devido ao resfriado adquirido com a tempestade, que também se encarregou de destruir a cidade. Na quarta feira quando sai para trabalhar, fui decidida em conversar com aquela senhora de mãos envelhecidas e cadeira de balanço ritmada, mesmo que ela não se importasse. No lugar da senhora havia um vazio, a cadeira agora balançava sozinha, na varanda folhas secas e na porta escrito numa placa: “vende-se”. Permaneci ali por algum tempo, o coração esfriou e as mãos suaram, e fiquei olhando o seu ponto de vista e cantarolando aqueles versos que eu ouvia todos os dias. O cheiro de chá ainda permanecia e agora apenas e somente a lembrança. 

Este conto/crônica foi escrito em 2004... Há quase 10 anos... Como mudei minha maneira de escrever... rs

A palavra perdida


Texto de 2011... Creio... 

Ética: substantivo feminino. Foi o que sobrou sobre a compreensão e aplicação desta palavra. O Brasil desafiou os seus valores e permitiu que o ‘’jeitinho’’ tomasse espaço na sociedade. Na Política, nas filas, nos aeroportos e até mesmo no açougue, que separa o melhor filé para a amante do proprietário. Não há mais nenhuma conduta baseada nos valores morais.

         As crianças nascem, crescem e se educam com conceitos distorcidos sobre o correto e o incorreto, sobre a verdade e a mentira. As leis que surgem para darem o primeiro passo para o resgate da ética, são barradas pela própria lei. A lei “ficha limpa”, tão falada no ano eleitoral, foi cancelada pelo plenário. Não há aplicação da lei no mesmo ano em que ela é criada. Mais uma vez a população esperou de pé a volta da ética, mas esta adiou o seu retorno ao Brasil.

      Se a política não muda, a população se acostuma e o costume da população não favorece grandes mudanças. Sim, há corruptos, há favorecimentos, há alienação, mas não há mais luta. A corrupção dominou a paralisou as pessoas e enquanto assistimos e compactuamos com os erros, perdemos a ética de vista.