quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Poligamia


Depois de muito viver, Andréia havia cometido um único erro grave: apaixonou-se perdidamente. Antes era uma mulher astuta, possuía senso de medida, sabia a hora de ir e a hora de ficar. Mas depois que a paixão invadiu a sua alma, corroeu os seus ossos e manipulou a sua carne, Andréia, na culminância dos seus trinta e um anos deixou-se de vez. Ele, oito anos mais moço, não possuía muito na vida, nem mesmo dignidade, mas era puro convencimento. As charlas de amor eterno que recitava ao pé do ouvido de Andréia, foram cuidadosamente selecionadas nas cenas de filmes românticos que ele via quando ainda era adolescente e intimamente desejava ser o herói.

Enquanto Andréia esperava inquieta a ligação de sexta feira a noite, ele passava na casa de Solange para que eles fossem ao cinema, na sessão das 21h. Depois do cinema um jantar, depois do jantar um motel, depois do motel o restante da madrugada fria e escura açoitando os pensamentos de Solange, que curiosamente, naquela altura dos acontecimentos, estava perdidamente apaixonada por ele.
Solange, ainda nova, não vivera grandes maldades, seu coração ainda cheio de esperanças apenas desejava viver o grande amor. Um desejo infindo, uma vontade lasciva de se entregar ao corpo do outro, ao desejo do outro. Solange era submissa, era daquelas mulheres inseguras que só podia deixar-se fazer a vontade que lhe fosse determinada.

Andréia adormeceu em cólera. Seus dentes rangiam durante a noite e os pesadelos tomavam conta de seu travesseiro. De manhã, bem cedo, o telefone com o toque especialmente escolhido para as ligações dele, toca.
- Desculpe não ter te ligado ontem...
Disse a voz cansada do outro lado. Depois de respirar profundamente Andréia perguntou:
- Aconteceu alguma coisa? Fiquei te esperando... Acabei dormindo. Tive pesadelos horríveis. Estou com saudade.
O suspiro angustiado rebateu:
- Se você soubesse a noite que tive... Minha mãe é doente, coitadinha. Teve uma crise grave esta noite, então, tive que ir com ela urgentemente ao hospital, ficou a madrugada toda em observação, somente agora foi liberada. Pobre mamãe. No entanto, eu pensei cada minuto em você, queria tanto que você estivesse ao meu lado. Mas antes que me pergunte por que eu não te liguei, já te digo que, na correria da hora de sair, deixei meu celular na cabeceira da cama e fiquei sem ter como me comunicar.
- Oh meu Deus. Sinto Muito. O que a sua mãe tem? Ela está melhor?
- Reumatismo. Isso, reumatismo! Está melhor sim, mas sabe como é né? Sente muitas dores, queixa-se demais, preciso sempre estar em alerta. Nunca se sabe quando ela vai precisar de mim. Mamãe só tem a mim.
- Entendo meu amor. Se eu puder ajudar não hesite em me falar. Sabe que você pode contar sempre comigo.
- Sei sim.
- E hoje? Vamos sair? Encontrar-nos? Estou com tanta saudade...
- Oh meu amor, claro que vamos. Preciso apenas descansar um pouco, minha noite foi longa. Assim que eu acordar te ligo para te buscar. Não esqueça de que te amo demais.

Solange, igualmente cansada, dormia em seu quarto onde a cortina tampava totalmente a luz do dia. Sua noite tinha sido longa. Depois de quatro horas e meia, quando acordou, tomou seu banho e se preparava para um novo jantar. O telefone não saia de seu alcance e a música não podia se exceder no volume, que era para não sobrepor o toque do celular, que possuía uma música que fora especialmente escolhida para as ligações dele. As horas passavam e Solange esperava.

Andréia foi ao salão, pintou as unhas, arrumou o cabelo. Ele finalmente ligou marcando a hora para pegá-la, às 20h30minh. Quando se encontraram Andréia não sabia qual era a programação, mas ele já tinha preparado tudo, cuidadosamente. Foram ao cinema na sessão das 21h. Depois do cinema um jantar, depois do jantar um motel, depois do motel o restante da madrugada fria e escura açoitando os pensamentos de Andréia.

Solange já havia adormecido, em cólera. Seus dentes rangiam, teve pesadelos. Quando pela manhã seu celular tocou e ele com a voz seguramente cansada disse:
- Desculpe não ter te ligado ontem...
Por casualidade do destino, a mãe dele, coitada, havia se adoentado, novamente, e ele tivera que passar toda a madrugada no hospital. Estava cansado e apesar da mãe ter sido liberada, tratava-se de reumatismo, ela sentia dores. Ele precisaria estar em alerta, afinal, a mãe só tinha a ele e nunca se sabe quando ela precisaria dele.
Solange, solidária, ofereceu seus préstimos e toda sua boa vontade. Queria revê-lo, era justo depois de uma noite sem notícia.
Ele prometeu:
- Preciso apenas descansar um pouco, minha noite foi longa. Assim que eu acordar te ligo para te buscar. Não esqueça de que te amo demais.

Andréia esperava. Solange aguardava e ele zombava delas, do amor e do destino amigo, que era o seu cúmplice.

Após várias noites driblando a ingenuidade de Solange e a vivencia de Andréia, Solange descobriu que existia a Andréia e Andréia descobriu que existia a Solange. Lágrimas escorreram pelas  faces coradas de tristeza e ódio. Andréia e Solange trocaram farpas, tocaram nas feridas fundas de toda mulher, humilharam-se em público. Ele não se corou, mas ligou para Andréia implorando por um encontro, uma última conversa, disse que queria lhe explicar tudo. Pedir perdão. Resignada, Andréia atendeu ao pedido trêmulo, sincero e os instintos mais primitivos do seu coração. Foi ao encontro do amor. Sim, ainda que perdido, ainda era amor.
- Preciso lhe dizer meu amor... A Solange é problemática, me persegue, me atormenta a vida, me ameaça... Tenho pena dela. Mas é você quem eu amo. Me da uma chance de te provar? Prometo dar um fim nisso e poderemos ser felizes.
Andréia emocionada e confusa hesitou, mas não pode com os argumentos arrependidos e sinceros do seu amado. Era amor. Então, perdoou. Então recomeçou.

Na manhã seguinte ligou para Solange, implorou um encontro...
Resignada...
- Mas é você quem eu amo.
Solange, emocionada e confusa hesitou, mas não pode com os argumentos arrependidos e sinceros do seu amado. Então perdoou. Então recomeçou.
E então, recomeçaram.

9 comentários:

  1. Ótimo conto para refletir sobre a "Natureza" Humana! Nossa "moral, independente do tempo, lugar e povo, pensa, deseja NORMATIZAR, O inormatizável: a "fidelidade" sexual de "Homem MACHO". Isso ainda faz parte do imaginário da maioria ou de TODAS as "Mulheres FÊMEAS", desse planeta chamado TERRA. Esse CONTO SOBRE A POLIGAMIA, seja dele ou dela, reafirma a velha CONTRADIÇÃO histórica do Ocidente Judaico Cristão: Normatizar o Inormatizável, isso é o DESEJO! isso produz uma as maiores NEURAS, sandices da nossa espécie de acordo com Albert Camus: O homem e a única criatura que se recusa a ser o que ela é”. Valeu Fê, trazer a discussão nossas? minha, sua, de quem? rsrs sobre essa Velha/nova história!


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  2. É isso ai Dora... O ser humano necessita dessa auto afirmação...

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  3. So uma coisa para falar cara safado ;x
    Mas existe isso muuito é uma pena mas mulher sempre tem este ponto fraco de sempre se entregar por inteira as vez acerta as vezes não;
    Mas se não se arriscar nunca vai saber né. ameeeeeei o texto ♥

    diariodebelezaa.blogspot.com

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  4. Como faço para seguir teu blog? Um beijo!

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    1. Vanessa, do lado direito ai... A última coisa do blog é followers. Já estou te seguindo tb. Bjsss

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  5. Nossa amiga... o cara é safado, mas vou confessar q faço tantas coisas iguais a Andrea e Solange... toque do celular exclusivo... espera infinita, ilusão sobre o tão sonhado "eu te amo"... putz... que idiota somos!!! Kkkkk. Adorei.

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  6. E os homens bons são os amigos que durante uma noite monótona escreveram conto

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"Já que se há de escrever, que pelo menos não se esmaguem com palavras as entrelinhas." CL